Thursday, December 29, 2005

Relevação

Revelações

Há tramas de palavras
Nascidas em tempo ido
Que excretam para as águas em
Que se lavam
Todo o fel
Todas as toxinas aderentes

Numa sucessão de risadas
Filhas da conspícua Ironia
Escapam-se
Uma catarse de lágrimas que,
Em golfadas,
Se despejam
Ao soluçar de que cada frase.

São as verdades,
Que persigo
E que persistem.

Os espectros
Esses esfumam-se
Permanece a calma

E um silêncio fecundo.

29-12-05 M.S.




Monday, November 07, 2005

A Saudade, ao longe

Para a minha terra que sabe a florestas encharcadas, a queijo da serra e soa como os bombos e a bela voz da Isabel.


"A Terra

Também eu quero abrir-te e semear
Um grão de poesia no teu seio!
Anda tudo a lavrar,
Tudo a enterrar centeio,
E são horas de eu pôr a germinar
A semente dos versos que granjeio.

Na seara madura de amanhã
Sem fronteiras nem dono,
Há de existir a praga da milhã,
A volúpia do sono
Da papoula vermelha e temporã,
E o alegre abandono
De uma cigarra vã.

Mas das asas que agite,
O poema que cante
Será graça e limite
Do pendão que levante
A fé que a tua força ressuscite!

Casou-nos Deus, o mito!
E cada imagem que me vem
É um gomo teu, ou um grito
Que eu apenas repito
Na melodia que o poema tem.

Terra, minha aliada
Na criação! Seja fecunda a vessada,
Seja à tona do chão,
Nada fecundas, nada,
Que eu não fermente também de inspiração!

E por isso te rasgo de magia
E te lanço nos braços a colheita
Que hás de parir depois... Poesia desfeita,
Fruto maduro de nós dois.

Terra, minha mulher!
Um amor é o aceno,
Outro a quentura que se quer
Dentro dum corpo nu, moreno!

A charrua das leivas não concebe
Uma bolota que não dê carvalhos;
A minha, planta orvalhos...
Água que a manhã bebe
No pudor dos atalhos.

Terra, minha canção!
Ode de pólo a pólo erguida
Pela beleza que não sabe a pão
Mas ao gosto da vida!"

Miguel Torga

Tuesday, October 11, 2005

Ao passar do trem...


Bilhete de comboio

Fica ali mesmo
Por detrás daquelas árvores
Lá longe, lá ao fundo

Onde nasce o horizonte
Aí reside a essência de uma jornada feliz
De um mar de verde denso, sussurando
Nos seus aromas resinosos


é na palma da minha mão que
Guardo ciosamente calor
Nos meus olhos que transbordo
A luminosidade e os contrastes
E ressonando as vozes familiares
E por descobrir.

Fica além, nesse ponto, no infinito
Nesses semblantes compenetrados ou irrequietos
No cheiro metálico da linha férrea e do óleo diesel

No cheiro
Metálico
Da linha férrea e do óleo diesel.

Fica no vagar ronronando da carruagem
E eu despeço-me
Cordialmente para um dia voltar
E à passagem
Acenar a essa estação.

M.S.

Thursday, September 08, 2005

Dores políticas ou o caniche emproado


Minha Senhora

porquê essa afectação,
essa desprendida aflição?

tereis por obséquio alguma
dureza profundamente cravada
no vazio da caixa dos pirolitos
o nariz tapado
ou simplesmente falta de imaginação?
a uma voz nasalada e cheia de um "je ne sais quoi"

profundamente ôco e irritante.


08-09-05 M.S.

Late evening post

Morfina

Para que lado roda o planeta?
Em que meridianos tropeçam os meus passos?
Perguntas retóricas
Meras trivialidades.

Reveste-me uma certeza incontornável
Carrego múltiplas inseguranças.

Deteriora-se em sucessivas golfadas
Erode-se a minha pálida vontade de moldar o mundo.
Depois vou para a rua
E dobro a esquina.
Que brotem cá fora todos os sorrisos e,
No fim da tarde, se aconcheguem todos os abraços

Eu aspiro o crepúsculo enevoado e regresso
Célere para saudar o futuro de
Uma nova madrugada
E sob os lençóis gastos mas limpos
Recolher-me da luz
E perder-me em subconsciências indefinidas.

08-09-05 M.S.

Monday, September 05, 2005

"You say you want a revolution"



Lápide em memória de todas___________________________ All Revolutions
_____as Revoluções_____________________________________
Memorial

Se a memória não me falha___________________________If I can recall it
Houve uma Revolução_______________________________There was a Revolution
Se a memória não me falha___________________________If I can recall it
Doía profundamente, acutilante,______________________It hurt as hell
Por isso todos clamaram______________________________So everybody just yelled

Não!!!_____________________________________________No!!!

Se a memória não me falha___________________________If I can recall it
Houve depois conspiração___________________There was somekind of conspiracy afterwards
Se a memória não me falha___________________________If I can recall it
Vacilou-se__________________________________________All tottered
Se a memória não me falha___________________________If I remeber it well
Venceu afinal a revolução.___________________________Revolution won back.

Se a memória não me falha___________________________If I remember it right
Nós Homens temos memória curta.___________________Men suffer from memory loss.


04-09-05 M.S.

Monday, August 29, 2005

Query

Unsolved/unsolvable questions on human nature
til what extent can one stand silence?
how much of nothing can one bear?
how is one to cope with infinty?
how can i breathe in your absence?
how is one to tolerate distance?
who is to care about grievance?
how can people die in hunger?
what fear is necessary to survival?
how do people bathe themselves in anger?


28-08-05 M.S.

Friday, August 26, 2005

Dit was het nieuws*

Previdências

Algures por entre as entranhas
Das horas circula um
Visco com aroma de todos
Os significados seguros,
De todas as coisas.

Algures por entre uma fresta bafienta
De uma portada empenada,
No intervalo que demora uma tarde
De verão a crepitar sobre uma
Seara amarela,
Exalam-se todas as abstracções
Sobre a Humanidade dos seres.

Mas porque parado o Tempo não o é mais
Não se pode espectar
Não se pode segurar
a barra da saia dessa
Materna imobilidade absoluta
Que se escapa indomável.

Apenas o instante,
Apenas a recordação.

O travo da palha ao canto da boca.

26-08-05 M.S.

*estas foram as notícias

Wednesday, August 24, 2005

Retorno

Remotamente


Não tenho pressa de coisa nenhuma
Tomei-te em meu abraço
E fechámos os olhos
Deitei a cabeça em teu regaço.
Sem que tempo algum
Se manifestasse premente,
Resoluto.
As nossas mãos instrumentam
O bater dos segundos
Determinadas e
Descem a persiana,
A noite continuamente
Madrugada, e a
Teu lado
O aroma das coisas simples
Das subtilezas e cores primárias
Impregna-me de imagens vívidas e serenas.
De murmúrios, de cordas de viola
E de uma imensa, indelével
Certeza de paz.

21-08-05 M.S.

Monday, August 08, 2005

Mãos

amam-se as mãos


amam-se as mãos
à revelia de qualquer olhar inusitado
enleiam-se violenta e lentamente
como o sargaço afogando
um náufrago
em mar de suor e vontade


amam-se as mãos de unhas em riste
nas costas das mãos e
doces viagens entre polpas de uns dedos
e outros

amam-se as mãos e esses polegares
tornam-se ídolos
uma marca peculiar
de uma animalidade diferente
roubam-se polegares
à força com indicadores
e dedos médios

amam-se as mão
e explode a volúpia
espalhando-se por cada veia
de uns braços
para o cérebro
para o peito
para o sexo

amam-se as mãos
e a madrugada anuncia-se
iminente


08-08-05 M.S.

Tuesday, August 02, 2005

Matinal

E o Sol radiando imperioso pela manhã
Sobre o rosto
Sobre as pálpebras, fugindo
Os olhos à luz quente,
Ao som do vento nos carvalhos
americanos verdes de verão
Promessas rubras de outono

E a vida escoando por confluências
Motorizadas, por travessas sujas e claras
Descendo rumo ao Mar matinal
De ideias, saudações e futuro.

E azulando em redor deste cenário
Benfazejo
O límpido do céu.

M.S. 02-08-05


Thursday, July 28, 2005

"Já não há tempo para ilusões."

We exchanged an ant
with bare pale hands
We confided fears and dreams
to one another
And silently departed in some kind
Of passionate melancholia.


M.S. 26-07-05

Thursday, July 21, 2005

Ainda não é mas sim

Uma preciosidade de melancolia, inspiração e admiração. Não há vocabulário suficientemente eficaz/rico para expressar o que fica na minha alma/mente depois de mergulhar neste poema.



"Domingo

Quando chega domingo,
faço tenção de todas as coisas mais belas
que um homem pode fazer na vida.

Há quem vá para o pé das águas
deitar-se na areia e não pensar...
E há os que vão para o campo
cheios de grandes sentimentos bucólicos
porque leram ,de véspera, no boletim do jornal:
« Bom tempo para amanhã»...
Mas uma maioria sai para as ruas pedindo,
pois nesse dia
aqueles que passeiam com a mulher e os filhos
são mais generosos.
Um rapaz que era pintor
não disse nada a ninguém
e escolheu o domingo para se matar.
Ainda hoje a família e os amigos
andam pensando porque seria.
Só não relacionam que se matou num domingo!
Mariazinha Santos
(aquela que um dia se quis entregar,
que era o que a família desejava,
para que o seu futuro ficasse resolvido),
Mariazinha Santos
quando chega domingo,
vai com uma amiga para o cinema.
Deixa que lhe apalpem as coxas
e abafa os suspiros mordendo um lencinho que sua mãe lhe bordou,
quando ela era ainda muito menina...
Para eu contar isto
é que conheço todas as horas que fazem um dia de domingo!
À hora negra das noites frias e longas
sei duma hora numa escada
onde uma velha põe sua neta
e vem sorrir aos homens que passam!
E a costureirinha mais honesta que eu namorei
vendeu a virgindade num domingo
— porque é o dia em que estão fechadas as casas de penhores!

Há mais amargura nisto
que em toda a História das Guerras.

Partindo deste princípio.
que os economistas desconhecem ou fingem desconhecer,
eu podia destruir esta civilização capitalista, que inventou o domingo.
E esta era uma das coisas mais belas
que um homem podia fazer na vida!

Então,
todas as raparigas amariam no tempo próprio
tudo seria natural
sem mendigos nas ruas nem casas de penhores...
Penso isto, e vou a grandes passadas...
E um domingo parei numa praça
e pus-me a gritar o que sentia,
mas todos acharam estranhos os meus modos
e estranha a minha voz...
Mariazinha Santos foi para o cinema
e outras menearam as ancas— ao sol
como num ritual consagrado a um deus!
—até chegar o homem bem-amado entre todos
com uma nota de cem na mão estendida...

Venha a miséria maior que todas
secar o último restolho de moral que em mim resta;
e eu fique rude como o deserto
e agreste como o recorte das altas serras;
venha a ânsia do peito para os braços!

E vou a grandes passadas
como um louco maior que a sua loucura...

O rapaz que era pintor
aconchegou-se sobre a linha férrea
para que a morte o desfigurasse
e o seu corpo anónimo fosse uma bandeira trágica
de revolta contra o mundo.
Mas como o rosto lhe estava intacto
vai a família ao necrotério e ficou aterrada!
Conheci-o numa noite de bebedeira
e acho tudo aquilo natural.
A costureirinha que eu namorei
deixava-se ir para as ruas escuras
sem nenhum receio.Uma vez que chovia até entrámos numa escada.
Somente sequer um beijo trocámos...
E isto porque no momento próprio
olhava para mim com um propósito tão sereno
que eu, que dela só desejava o corpo bom feito,
me punha a observar o outro aspecto do seu rosto,
que era aquela serenidadede pessoa que tem a vida cheia e inteira.
No entanto, ela nunca pôs obstáculo
que nesse instante as minhas mãos segurassem as suas.
Hoje encontramo-nos aí pelos cafés...(ela está sempre com sujeitos decentes)
e quando nos fitamos nos olhos,
bem lá no fundo dos olhos,
eu que sou homem nascido
para fazer as coisas mais heróicas da vida
viro a cabeça para o lado e digo:
— rapaz, traz-me um café...
O meu amigo, que era pintor,
contou-me numa noite de bebedeira:
— Olha,
quando chega domingo,
não há nada melhor que ir para o futebol...

E como os olhos se me enevoassem de água,
continuou com uma voz
que deve ser igual à que se ouve nos sonhos:
— .... no entanto, conheço um homem
que ia para a beira do rio
e passava um dia inteirinho de domingo
segurando uma cana donde caía um fio para a água...
... um dia pescou um peixe,
e nunca mais lá voltou...
O pior é pensar:
que hei-de fazer hoje, que toda a gente anda alegre
como se fosse uma festa?...—
O rapaz que era pintor sabia uma ciência rara,
tão rara e certa e maravilhosa
que deslumbrado se matou.

Pago o café e saio a grandes passadas.
Hoje e depois e todos os dias que vierem,
amo a vida mais e mais
que aqueles que sabem que vão morrer amanhã!

Mariazinha Santos,
que vá para o cinema morder o lencinho que sua mãe lhe bordou...
E os senhores serenos,
acompanhados da mulher e dos filhos,
que parem ao sol
e joguem um tostão na mão dos pedintes...
E a menina das horas longas e frias
continue pela mão de sua avó...
E tu, que só andas com cavalheiros decentes,
ó costureirinha honesta que eu namorei um dia,
fita-me bem no fundo dos olhos,
fita-me bem no fundo dos olhos!

Então,virá a miséria maior que todas
secar o último restolho de moral que em mim resta;
e eu ficarei rude como o deserto
e agreste como o recorte das altas serras:
e virá a ânsia do peito para os braços!

Domingo que vem,eu vou fazer as coisas mais belas
que um homem pode fazer na vida!"


Manuel da Fonseca

"Lebanese blonde"

Sabor

é um jogo de sombras
a luz ambarina que percorre
as cristas de cada perturbação
no Mar tépido
de fim de tarde

é uma camada fundente
uniformemente entornada
em cada direcção
do olhar sobre o horizonte

é, sem urgência,
um pôr-do-Sol denso
e incontornável esculpido
sobre a Reminiscência.

21-07-05 M.S.

Tuesday, July 19, 2005

Saudade

Saudade

do ant. soedade, soidade, suidade
s. f.,
lembrança triste e suave de pessoas ou coisas distantes ou extintas, acompanhada do desejo de as tornar a

ver ou a possuir;
pesar pela ausência de alguém que nos é querido;
nostalgia;

in
www.priberam.pt


Na crueza da realidade reside o instável,
a improbabilidade, a incongruência, a eventualidade.

Mas em mim retenho inesperadamente a Certeza,
a pueril ideia de uma quase-plenitude adquirida,
de uma luz encarcerada
na minha clepsidra de bolso.

Ao preço dessa incomensurável constatação chamo saudade.


M.S. 19-07-05




Friday, July 08, 2005

Pensamentos soltos numa tarde empoeirada pelas cinzas de um incêndio

I would love the most
To reveal to
You
How I slumber, lost,

Leaning my head on
Your shoulder
As I look through
The almost turquoise blue
of your eyes.

I am eager to.

But what promises of flawless portraits
Of fulfillment would I
Inevitably have to conceal?

I'd so keenly hold your hand
Alongside that same southern
Beach were you stroll
Your inquisitions and
Drown your apprehensions

Though the definite perception
Of a mellow afternoon
With your open smile
As a conforting background
Sways in my head
I am fully aware of its
Improbability.

Thus,
I have nothing
To aspire to

other than a sincere

Goodbye

Dressed in the golden
Tone of
Your timid voice
As I depart and
fade high
Amidst the
Cirrus clouds.

08-07-2005

Sunday, June 26, 2005

Ausência

São
Blástulas múltiplas
Excrescendo pelas
Paredes desse Útero
Carregado por um
Universo bojudo
De silêncio,
De luzes imperceptíveis
De abstracções várias.
Éter ou o vazio.
Insignificância
Revoluções pulsantes
E a infinitude.



23-03-05 M.S.

Presença

Mera cefaleia
Irritante
A tua presença
No canto da sala persistente

Mero formalismo
De luz e circunspecção
Os olhos teus
Em forma de ponto de interrogação


23-03-05 M.S.

Monday, June 20, 2005

pensamentos soltos

Fruir

Na correnteza das águas tudo
se arrasta, nos olhos negros
de alguém que desconheço.

Quem ignora que os olhares queimam,
que os corações palpitam?

Apartando-se os braços esfriam-se
as doces risadas dos amantes...



M.S. Dezembro 2004

Thursday, June 16, 2005

obsessão 2

Obsessão: Semântica

A Palavra traiu-me
Faltou-me na sua Eloquência
E eu perdi o sentido do
Equilíbrio

A ênfase,
As frases proferidas,
Inculcadas
da minha essência
Foram inertes
Supérfluas

Ignoradas.

desprezado
o fragmento de mim
mais verdadeiro
que mais me apraz
oferecer.

No entanto, no meu
córtex jaz, odiosamente,
Impresso cada vocábulo
Pobre, desprovido
De elegância,
Desajeitado,
Ingénuo,
Patético e cuspido,
Sem consciência
Do aroma
De cada
signo!

Sinto-me um recipiente passivo
De todos os Verbos
Um interlocutor
falhado
Sem nada
Que valha partilhar.

Um complexo de repetições
Fúteis.

Agosto 2004 M.S.

Wednesday, June 15, 2005

testing the mother tongue

Fiend


That somber expression you wear
Beams my pupils,
Solely lust
Seems to reveal


Entagling my arms
Against my thorax,
A long lived thirst
That ordained my craving.
And whatever last fragment
Of ingenuity I conceal
Turns to grey white dust
As the flickering

And swept ashes
Of your vice


And as you
Approach near and abruptly
Rapture my mouth, my flesh


I finally burst
And consent
To bear the price


Of thine hex.


22-03-05 M.S.

Monday, June 13, 2005

Hoje é um dia muito cinzento...

Hoje o céu está carregado de nuvens espessas. Hoje morreu um Poeta. Hoje a luz que emanava das palavras de Eugénio de Andrade evadiram-se para outro lugar. Não se frise desgraça ou tragédia como tom que embebe esta manhã (tenho ideia até que Eugénio não era nada apologista de sentimentalismos fáceis) mas, no entanto, pesam as suas palavras nos meus olhos, nos meus ouvidos, na minha cidade. Impregno por isso esta manhã com as suas palavras com travo agridoce a "Amoras". Obrigada Eugénio pela tua sabedoria.




AS AMORAS

O meu país sabe a amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.


Eugénio de Andrade em "O Outro Nome da Terra"







Mas a morte não ficou por aqui e asinha levou também um político imbuído de um peso inegável na História desta terra de muros brancos. Controverso? Coerente? Odioso ou admirável? Político...partiu também Álvaro Cunhal. Não me compete aqui dissecá-lo. Mas além de político foi pintor e ensaísta e acima de tudo isso foi resistente. Resistiu a 8 anos de solidão num cárcere deste país e lutou por uma realidade chamada 25 de Abril. E isso... é sempre memorável.

Saturday, June 11, 2005

Fuga

Por vezes o mundo de glórias e honra parece ser o único aprazível. Será que alguma vez existiu/existirá? Será que o quero/queremos? At what expense?

"Time table


A carved oak table,
Tells a tale
Of times when Kings and queens sipped wine from goblets gold,
And the brave would lead their ladies from out the room
to arbours cool.
A time of valour, and legends born
A time when honour meant much more to a man than life
And the days knew only strife to tell right from wrong
Through lance and sword.

Why, why can we never be sure till we die
Or have killed for an answer,
Why, why, do we suffer eachrace to believe
That no race has been grander
It seems because through time and space
Though names may change each face retains the mark it wore.


A dusty table
Musty smells
Tarnished silver lies discarded upon the floor
Only feeble light descends through a film of grey.
That scars the panes.
Gone the carving,
And those who left their mark,
Gone the Kings and queens now only the rats hold sway
And the week must die according to nature's law
As old as they."

Genesis, Foxtrot 1972

Para R.C.

Pudera eu
Ser nuvem, cinzenta,
Liquefazer-me sobre teus
Ombros
Pudera eu ver-te
Com as minhas mãos
Beijar-te com os meus olhos
Escorrer pelos teus cabelos e
Vaporizar-me
Com as moléculas do teu ADN
Para a exosfera.

Verão 2000 M.S.

To sneak

Prospecção


Vejo-te da janela
Por entre as cortinas
Corridas
Observo-te passando
Através de frinchas
De tecido empoeirado
E matizado de rosa
Velho.

Sei o teu percurso

Como se tivesse
Desenhado o teu destino
Erigido as esquinas
Em que os
Passeios se cruzam


Sei a voz que é a
Tua que ecoa
Insistente nesta
Sala ornada de
Anacronia e
Flores secas.
E sei que palavras
Amas e persegues
Por entre linhas
De um fascículo
Enciclopédico

Abstenho-me contudo

De te perturbar atravessando
a rua e perguntando-te:


"Boa tarde. Podia dizer-me as horas, por favor?"

As cortinas entreabrem-se

Permeáveis à
Tua Luz
Mas jamais
Caem.
Recolho-me no
Sofá por entre
Páginas que preferes
E perco-te
De vista.


03-06-2005 M.S.

Estado de (I)na(ni)ção

Morrinha


Revolve-se o ar
Estagnado por
Múltiplas e consecutivas expirações
desinspirações


A paisagem matutina
Descrita por um mar
A espreguiçar os primeiras ondas
É somente
Uma artificialidade definida por
4 planos perpendiculares


não acredito na voracidade
do tempo
não vejo fluências mutações
na clareza dos
ribeiros
nas pálpebras céleres
de um utopista

não prevejo não
assumo
aceito


não recorro não
questiono
venero
absorvo


onde a locomoção?
Como a diferença?
Para quê
progredir?
Deslembre-se.



20-04-05 M.S.

Wednesday, May 18, 2005

paternidade

Mais uma incursão pelas palavras dos outros. Desta vez as palavras de um poeta catalão cujos versos foram musicados por Paco Ibañez.
Mais sobre José Agustín Goytisolo:

http://buscabiografias.com/cgi-bin/verbio.cgi?id=7087

PALABRAS PARA JULIA

Tú no puedes volver atrás
porque la vida ya te empuja
como un aullido interminable.



Hija mía es mejor vivir
con la alegría de los hombres
que llorar ante el muro ciego.



Te sentirás acorralada
te sentirás perdida o sola
tal vez querrás no haber nacido.



Yo sé muy bien que te dirán
que la vida no tiene objeto
que es un asunto desgraciado.



Entonces siempre acuérdate
de lo que un día yo escribí
pensando en ti como ahora pienso.



La vida es bella, ya verás
como a pesar de los pesares
tendrás amigos, tendrás amor.



Un hombre solo, una mujer
así tomados, de uno en uno
son como polvo, no son nada.



Pero yo cuando te hablo a ti
cuando te escribo estas palabras
pienso también en otra gente.



Tu destino está en los demás
tu futuro es tu propia vida
tu dignidad es la de todos.


Otros esperan que resistas
que les ayude tu alegría
tu canción entre sus canciones.



Entonces siempre acuérdate
de lo que un día yo escribí
pensando en ti como ahora pienso.



Nunca te entregues ni te apartes
junto al camino, nunca digas
no puedo más y aquí me quedo.



La vida es bella, tú verás
como a pesar de los pesares
tendrás amor, tendrás amigos.



Por lo demás no hay elección
y este mundo tal como es
será todo tu patrimonio.



Perdóname no sé decirte
nada más pero tú comprende
que yo aún estoy en el camino.



Y siempre siempre acuérdate
de lo que un día yo escribí
pensando en ti como ahora pienso.



José Agustín Goytisolo

amor e carros...

acaso

por acaso atravessaste a rua
sem olhar para ambos os lados hoje,
sem esperar pelo verde
por acaso caiu-te um cartão

por instinto apanhaste-o
por acaso o carro passava nesse
momento, acima da velocidade
permitida,
por algo que desconhecias
todo o teu corpo embateu violentamente
no chão...

por acaso abriste os olhos
e sorriste ao ver-me.
Puro acaso.
M.S. 13-08-2003

sentidos

Gestos
Voz
Ruídos.
O som refugiou-se nas
Entranhas do
Ser, nas profundezas do
Corpo.
Mas as mãos...perdem-se
Num rosto, braços
Cabelos de um estranho.
Sedas.
Sobrevoam músculos
Contraídos, reclamam para si a
Tensão,
Catarse
Mãos
Lábios
Lábios são mãos
Mãos, lábios são
E fundem-se membros
Num novelo imperceptível
Duas sombras,
Uma sombra.
A escuridão.
E
A Lua.

M. S. 1-10-2000

Tuesday, May 17, 2005

desespero (1)

Suicídio

Edifício alto.
Rectidão rigorosa
que perfura o olhar,o espírito.
Salto.
Atraído pelo chão
caio imóvel
sem vida.
- Estás preso, pesado
morto como o asfalto
que te rodeia.

M.S. 8-6-97

Sunday, May 15, 2005

De Zoito

De Zoito
Tempo, fracção
Instantes, segundos.
PÁRA!!!
Idiota!
Maior? Que é isso,
Maior?
MAIOR MAIOR MAIOR...
Transbordas alma, flácida,
tanto!
Mas ninguém preenche
O vazio do meu espírito,
Vácuo, nulidade perfeita!
Hahaha!
Gravar um traço
Longitudinal a bisturi

Ah...estúpida ilusão
De que o sono é a calma.

Pudera eu mergulhar
Nas águas da inocência
Viver acordada em
Sonhos, devaneios, transes...
Fora lógica, hipótese, dedução!
Fora sinapses
Fora tísica iluminação.
Ó Lua! Banha-me
Nos teus mares,
Beija meus olhos
Com o teu brilho
Sereno, e leva-me
Para outra instância

...estúpida ilusão de
que o sono é a paz, calma.

M.S. 9-5-2000

Saturday, May 14, 2005

uma pérola humorística

Não pretendendo de longe comparar-me a nenhum mestre na arte da Poesia vou contaminar também este pequeno mundo virtual com palavras proferidas por poetas de que gosto, mal conheço, anónimos ou outros trovadores.

Um primeiro rasgo de poesia americana (sim, ainda que Auden tenha nascido em Inglaterra e só em 1939 se tenha tornado cidadão americano) é este Cidadão Desconhecido que mais não é do que uma evidência de que apesar dos muitos trastes, desnecessário nomeá-los, há americanos extremamente profícuos pelo lado positivo. Como os há louváveis e desprezíveis indivíduos em cada e qualquer povo à face deste planeta (o único fundamentalismo em que acredito é no da Humanidade na mais nobre acepção da palvra). Bem, basta de preâmbulos.

The Unknown Citizen

He was found by the Bureau of Statistics to be
One against whom there was no official complaint,
And all the reports on his conduct agree
That, in the modern sense of an old-fashioned word, he was a
saint,
For in everything he did he served the Greater Community.
Except for the War till the day he retired
He worked in a factory and never got fired,
But satisfied his employers, Fudge Motors Inc.
Yet he wasn't a scab or odd in his views,
For his Union reports that he paid his dues,
(Our report on his Union shows it was sound)
And our Social Psychology workers found
That he was popular with his mates and liked a drink.
The Press are convinced that he bought a paper every day
And that his reactions to advertisements were normal in every way.
Policies taken out in his name prove that he was fully insured,
And his Health-card shows he was once in a hospital but left it cured.
Both Producers Research and High-Grade Living declare
He was fully sensible to the advantages of the Instalment Plan
And had everything necessary to the Modern Man,
A phonograph, a radio, a car and a frigidaire.
Our researchers into Public Opinion are content
That he held the proper opinions for the time of year;
When there was peace, he was for peace: when there was war, he went.
He was married and added five children to the population,
Which our Eugenist says was the right number for a parent of his
generation.
And our teachers report that he never interfered with their
education.
Was he free? Was he happy? The question is absurd:
Had anything been wrong, we should certainly have heard.


Copyright © 1940 W. H. Auden

há não muito tempo...

Obsessão: Acção

Recusei a Inércia
Na secção do
Meu cérebro restrita
Aos males de amor


Esbofeteei todas
As convenções
Do bom senso e
Da Razão

Estridentemente
Gritei
a grandeza infinita
da massa inerente
a essa Esfera que
continha o elemento
representativo de nós.
Precipitei-me escadas abaixo
Cruzei, intransigente,
todas as esquinas negando
à Sorte a minha
Passividade
conformista.

Apertei-te irrevogavelmente
Nos meus braços
Com o horizonte
Reflectido nos
Olhos,
as Mãos trémulas
sorvendo sonhos.
Mas
Esvaíste-te por entre
A minha Teia...
Sem retorno possível
Sem vontade
De persistir.
Embati na tua crua
(aparente?)
Indiferença.
Cessação de movimento.
Momento
ausente.
M.S. 14-08-2004

era uma vez perto do Mar

Pela janela

O entardecer, suavemente,
Descendo do céu
Espreita pelo vidro frio da janela
E a lua que ainda dorme, preguiçosa,
Sonha com uma noite
Estrelada, espirituosa,
Quente.
No campanário caiado de dourado
O sino vigia silencioso
Uma brisa gélida que
Saúda as macieiras e
As ondas do mar.
Longe vai a tarde
E as sombras abraçam
O campo.

M.S. 20-10-1999

"Este o primeiro dia do resto da minha Vida"

Não pretendo pretender que nada pretendo... Pretendo. Pretendo partilhar aquilo que escrevo mais ou menos compulsivamente, mais ou menos diariamente. Espero críticas construtivas e destrutivas, espero empatia e desagrado. Espero, acima de tudo.
Não se abstenham! Não se contenham! Comentem! Agradeço sincera e profundamente.

Obrigada e boas leituras.

M. S.